Breve relato da história de Santana: das navegações ao povoado português.

Breve relato da história de Santana:

das navegações ao povoado português.

A ocupação e conquista de Santana e o seu papel para a consolidação da Amazônia brasileira (1500-1785)


                                                                                                      Marlus Pinto de Carvalho

Introdução


Uma história esquecida.


Este não é um artigo acadêmico embora procure ter o máximo de rigor nas informações, sua finalidade é apresentar um breve relato da história de Santana em arquivos anteriores a ocupação luso brasileira e servir de guia para que os pesquisadores consigam localizar em mais de 4000 páginas de arquivos os locais onde se encontram registrados parte da história esquecida de Santana. O fato é que há muitos e muitos anos temos sofrido com a carência de referências bibliográficas sobre a história do município de Santana, tendo o pesquisador interessado, quando necessário, que recorre a menções sobre o município em retalhos de histórias de terceiros, sempre relegando sua importância a um papel secundário e subordinado.


Há muitos e muitos anos temos sofrido com a carência de referências bibliográficas sobre a história do município de Santana, tendo o pesquisador interessado, quando necessário, que recorre a menções sobre o município em retalhos de histórias de terceiros, sempre relegando nossa importância a um papel secundário e subordinado.


O motivo é histórico e político pois durante o transcurso da guerra de conquista de Santana os portugueses não somente destruíram a presença inglesa, holandesa e irlandesa, mas também substituíram os nomes de todos os acidentes geográficos e fortificações. Assim as referências bibliográficas de nossas origens não se encontram em Belém, Rio de Janeiro, Brasília ou na Torre do Tombo em Portugal mais sim nos arquivos espanhóis ingleses e holandeses com nomes e expressões distintas das quais conhecemos hoje, afinal quem pesquisaria por Santana com o nome de Brest1 ou Macapá por Roohoeck?2


Também porque de acordo com o artigo primeiro do Tratado Provisional de 1700, foi determinado desamparar Santana, demolir o forte Cumaú e retirar os moradores, as aldeias de índios que os acompanhavam para o serviço e uso do Forte, e tudo que nele houvesse. Assim a Santana portuguesa permaneceu no obscurantismo por 58 anos até ser institucionalizada como povoado no ano de 1758 quando o protagonismo da colonização amapaense passou para a Vila de Macapá, instituída pós conquista.


Como bem disse George Orwell, que “a história é escrita pelos vencedores” no nosso caso, primeiro apagada depois reescrita pelos portugueses no século XVIII que rebatizaram acidentes geográficos, destruíram ao rés do chão edificações aniquilando a memória dos povos que os precederam. Assim, uma vez reescrita, foi ressignificada nos séculos subsequentes reduzindo nossa importância histórica.


O fio da história


Dado os devidos esclarecimentos, seguimos a partir de fontes holandesas, espanholas, além do precioso tratado “O Oiapoque e o Amazonas” de Joaquim Caetano, membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para discorrer sobre nosso passado. Podemos assim dividir a história de Santana em oito períodos:


1. De 1500 a 1604 - Viagens exploratórias: iniciado por Vicente Pinzón e finalizada pela viagem do francês Jean Mocquet;

2. De 1604 a 1620 - Viagens comerciais: período de intenso escambo com as populações indígenas sem a presença de colonos europeus fixos;

3. De 1620 a 1632 - A Guerra da conquista territorial: período de fixação militar e civil de ingleses, irlandeses e holandeses e a progressiva conquista territorial pelos luso brasileiros;

4. De 1632 a 1700 - Consolidação da posse portuguesa: Período entre a conquista do Forte Cumaú, implantação do Forte de Santo Antônio de Massapá até o tratado provisional de 1700;

5. De 1700 a 1758: Primeiro grande período de abandono: Do Tratado de Utrecht de 1700 que reconhece a posse, até a fundação do povoado, deslocada do continente para a Ilha;

6 . De 1758 até 1950 - Segundo grande período de abandono: da Constituição do povoado até a implantação do Porto da ICOMI;

7 . De 1950 a 1988 - Fase Áurea: Da implantação do Porto da ICOMI, passando pela constituição do distrito até sua emancipação política em 1988;

8. De 1988 a atualidade - Crise institucional: caracterizado pela transição de uma economia industrial para uma economia patrimonialista e a busca por um novo modelo de desenvolvimento.

Uma região global e estratégica


Assim é natural que após séculos de abandono por parte do poder público imaginar que uma cidade nunca cumpriu um papel histórico relevante. No entanto, abandono por parte do governo federal foi regra para todo o Amapá a ponto do Jornal A Razão, em 1920, afirmar que a futura capital do Território, a cidade do Amapá padecia do mesmo mal.


“desde a data da sentença arbitral até o presente, o governo paraense limitou-se a [...] construir um pequeno edifício, hoje em ruínas para servir de cadeia e quartel, e fazer um trapiche no litoral, presentemente desmantelado e pobre, sem utilidade alguma. [...] de dia para dia acentua-se [...] a decadência da Villa do Amapá [...] reduzida na actualidade a trinta e poucos barracões, sem conforto e sem os mais elementares preceitos e hygiene.”

(A RAZÃO, Jornal de Belém, 16-22 abr. 1920


Porém o levantamento realizado mostra uma realidade distinta: Santana como um local estratégico nas disputas globais das cinco maiores potências mundiais do século XVII, a ponto de Joaquim Caetano da Silva, patrono da 19ª cadeira da academia brasileira de letras afirmar que em Santana “existe qualquer coisa de admirável” e ser “um porto magnífico” e Le Serrec e Émile Carrey declararem que Santana seria “a chave da América Meridional”.


O entusiasmo de tantos intelectuais se deve ao fato de que em tempos de tecnologias precárias o caminho mais seguro para alcançar todo vale amazônico, sem o risco de um provável naufrágio, seria seguir pelo canal estreito localizado entre a Ilha e a atual cidade de Santana. Um canal afunilado facilmente fortificado que poderia afundar qualquer navio invasor que desejasse subir o Amazonas curso acima. Logo dominar Santana significava dominar toda a Amazônia, do Amapá ao Equador.


Um Roteiro para nos reencontrarmos


Nessa magnífica odisseia temos o artigo de Raymond Buve, emérito professor História da América Latina da universidade de Leiden, publicado no livro “Brazilië in de Nederlandse, archieven 1624 – 1654”; pg 20; da Leiden University impresso em 2013 que defende a tese da ocupação da foz do Rio Amazonas por holandeses e ingleses se deveu ao interesse da Companhia das Índias Orientais em alcançar as ricas  minas de  prata do Peru subindo o Rio Amazonas, uma vez que Francisco de Orellana havia descido de Quito nas bordas das regiões mineiras do Equador até a cidade de Belém em 1542. Se era possível descer então era possível subir.


Também seguindo a mesma linha de raciocínio seguem dois artigos do Dr. José Manuel Santos Pérez, Professor Titular de História da América da Universidade de Salamanca, um intitulado Filipe III e a ameaça neerlandesa no Brasil: medos globais, estratégia real e respostas locais no livro supracitado a partir da página 141 e “La conquista y colonización de Maranhão-Grão Pará: el gran proyecto de la Monarquía Hispánica para la Amazonia brasileña (1580-1640)” publicado na Revista de Estudios Brasileños Vol. 6 Núm. 11 (2019),


Reforça a tese a carta do “Capitão Manuel de Sosa Dessa al Senor Virrey”, datada de 1614 reproduzida no volume XXVI dos Anais da Biblioteca Nacional de 1904 na página 275. Nela, em plena união ibérica o capitão português encaminha carta aos espanhóis demonstrando preocupação com a ocupação do Amapá por holandeses e ingleses e a possibilidade de tentativas, os estrangeiros conseguissem alcançar as minas de Prata do Peru utilizando como base as fortificações na Foz do Rio Amazonas. A carta original permanece nos registros do Arquivo Geral das Índias de Sevilha, Espanha.


Tais concessões de terras na foz do rio Amazonas pelos reis europeus é minuciosamente descrita por Joaquim Caetano da Silva no livro O Oiapoque e o Amazonas, na página 354, do parágrafo 1.591 ao 1.602. Aliás, neste último Parágrafo é que se encontra a primeira referência histórica de que Santana não foi fundada por portugueses, mas sim por ingleses.


Tal argumento é reforçado nos parágrafos 1.271 e detalhado minuciosamente nos parágrafos 1.557 a 1.590 não só a origem, mas a importância histórica de Santana, a relevância estratégica de sua localização a ponto de Emile Carrey falar que “através dessa foz, facilmente acessível, que mais de dois terços do comércio da América do Sul deverá passar um dia” e Humboldt afirmar que “É ali que, cedo ou tarde, a civilização do globo deverá se concentrar um dia.”


Ainda por Joaquim Caetano da Silva na página 33, do parágrafo 44 a 53, relata a guerra de conquista do território amapaense por Bento Maciel Parente e Pedro Teixeira. Este tomando posse do Amapá, edificar em Santana, sobre as ruínas do forte Cumaú, o Forte Cumaú Português finalizado em 1658 impedindo a entrada de novos invasores e Pedro Teixeira imediatamente sobe o Rio Amazonas, em 47 canoas, com 70 portugueses e quase 2.000 índios, entre guerreiros, remadores, mulheres e jovens para serviço e, ao cabo de 11 meses alcança a cidade de Quito no Peru. O livro desta viagem insólita está descrito no livro Viaje del capitán P. Texeira aguas arriba del rio de las Amazonas, 1638-1639. Também disponível no acervo assim como outros não menos importantes. Ao seu retorno, o conquistador de Santana toma posse da Amazônia mais que dobrando o tamanho do Brasil.


Pilar do Brasil continental


Tendo sua primeira povoação em 1612 ou 1620 constituído por ingleses e Irlandeses posteriormente apoiados por holandeses até 1629, conquistado em 1632 permitindo o povoamento luso brasileiro de toda Amazônia, com as principais cidades do médio Amazonas fundadas sempre em datas posteriores a conquista de Santana. Logo sem esta vitória militar os portugueses não ocupariam o Rio Amazonas consequentemente o Brasil não teria a dimensão continental que possui hoje.


O Forte Cumaú português incipiente dá lugar ao Forte Santo Antônio de Massapá, finalizado em 1688, invadido pela França em 1689 e no mesmo ano reconquistado pelos brasileiros, consolida ao Brasil o controle do acesso das duas entradas do Rio Amazonas.


Conquistado e povoado toda a foz do Rio Amazonas por brasileiros, coube aos franceses ingleses e holandeses redirecionar o curso da pirataria ao Caribe e seus esforços colonizadores para a região das guianas, dando os contornos iniciais ao mapa da América do Sul e contribuindo para a grandeza dos impérios português e espanhol, confirmado assim o vislumbre de Le Serrec de sermos no passado “a chave da América Meridional”.


Após longa e grandiosa epopeia o povoado e o Forte são esvaziados obedecendo a determinação do tratado provisional de 1700 caindo no esquecimento por séculos juntamente com seu povo.


Construindo nosso legado civilizatório


Por fim a história demonstra claramente que um povo somente consegue construir um legado civilizatório na medida em que possua clareza de sua identidade e de seu papel no mundo. E um povo que desconhece sua identidade não defende a sua terra, posto que cuidamos somente daquilo que conhecemos e amamos. Assim, impossibilitados de nos inspirar no passado não conseguimos projetar um futuro vitorioso e próspero.


Descobrir a própria história ganha relevância na medida em que um povo sem história é um povo com um espaço vazio na alma, este vazio interior é manifestado ora pelo imobilismo e apatia, indutora de hábitos fisiológicos e egoístas, ora pela revolta contra uma estrutura social promotora de desumanidades e indutora do empobrecimento físico e mental. Essa incapacidade de encontrar onde reside nosso valor, valor que aponta uma direção civilizatória foi o que me motivou a pesquisar.


O acervo que lhe convido a conhecer, de certa forma é um tributo aos progenitores e aos esquecidos, a estes pela audácia do vanguardismo e aqueles em memória ao esforço operário de construção das fundações da civilização amazônica sepultada em quatro séculos passados de esquecimento, revivificado por este trabalho. Dedico ao povo, aos desbravadores, e aos visionários que gestaram quem nós somos.


1 o nome de Brest pertencia originalmente a uma ilha do Amazonas, na confluência do Anauerapucu. [... ] Fica um pouco ao sul de Macapá, nesse braço ocidental do Amazonas. - Silva, Joaquim Caetano, 1863 Ed. 2017, pg 350 - 351


2 “No delta da Amazônia, pesquisas têm sido feitas na região próxima a Macapá, no estado do Amapá. Macapá foi chamada de Roohoeck em mapas contemporâneos e no relatório dos colonos valões” – Hulsman, christiaan, 2009, pg 113


Acervo

Link: https://marlus.com.br/acervo-santana/


Bibliografia


Silva, Joaquim Caetano da. O Oiapoque e o Amazonas : questão brasileira e francesa / Joaquim Caetano da Silva ; tradução de Ana Paula Leitão e Marlene da Silva Furtado de Mendonça. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2017.


Hulsman, christiaan (2009). Nederlands Amazonia;Handel net indienen tussen 1580 en 1680


Santos Pérez, J. M. (2013); Brazilië in de Nederlandse, archieven 1624 – 1654; pg 20; Leiden University – 2013.


Santos Pérez, J. M. (2019). La conquista y colonización de Maranhão-Grão Pará: el gran proyecto de la Monarquía Hispánica para la Amazonia brasileña (1580-1640). Revista De Estudios Brasileños, 6(11), 33–47. https://doi.org/10.14201/reb20196113347

Anais da Biblioteca Nacional, volume XXVI; 1904 pg 275.


De La Espada, Márcos Jimenez, Viaje del capitán P. Texeira aguas arriba del rio de las Amazonas, 1638-1639;


A Razão, Jornal de Belém, 16-22 abr. 1920; REIS, 1944, p. 176-180.